Postagens

Mostrando postagens de junho, 2015
As Palavras Interditas Os navios existem, e existe o teu rosto  encostado ao rosto dos navios.  Sem nenhum destino flutuam nas cidades,  partem no vento, regressam nos rios.  Na areia branca, onde o tempo começa,  uma criança passa de costas para o mar.  Anoitece. Não há dúvida, anoitece.  É preciso partir, é preciso ficar.  Os hospitais cobrem-se de cinza.  Ondas de sombra quebram nas esquinas.  Amo-te... E entram pela janela  as primeiras luzes das colinas.  As palavras que te envio são interditas  até, meu amor, pelo halo das searas;  se alguma regressasse, nem já reconhecia  o teu nome nas suas curvas claras.  Dói-me esta água, este ar que se respira,  dói-me esta solidão de pedra escura,  estas mãos nocturnas onde aperto  os meus dias quebrados na cintura.  E a noite cresce apaixonadamente.  Nas suas margens nuas, desoladas,  cada homem tem apenas para dar  um horizonte de cidades bombardeadas.  Eugénio de Andrade, in “Poesia e Prosa”  
Até Amanhã Sei agora como nasceu a alegria,  como nasce o vento entre barcos de papel,  como nasce a água ou o amor  quando a juventude não é uma lágrima.  É primeiro só um rumor de espuma  à roda do corpo que desperta,  sílaba espessa, beijo acumulado,  amanhecer de pássaros no sangue.  É subitamente um grito,  um grito apertado nos dentes,  galope de cavalos num horizonte  onde o mar é diurno e sem palavras.  Falei de tudo quanto amei.  De coisas que te dou  para que tu as ames comigo:  a juventude, o vento e as areias.  Eugénio de Andrade, in "Até Amanhã"  
Urgentemente É urgente o amor  É urgente um barco no mar  É urgente destruir certas palavras,  ódio, solidão e crueldade,  alguns lamentos, muitas espadas.  É urgente inventar alegria,  multiplicar os beijos, as searas,  é urgente descobrir rosas e rios  e manhãs claras.  Cai o silêncio nos ombros e a luz  impura, até doer.  É urgente o amor, é urgente  permanecer.  Eugénio de Andrade, in "Até Amanhã"